Revista Notícias Matosinhos #10 - Maio 2018

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JOAQUIM QUEIRÓS

“BEBER VINHO É DAR DE COMER A UM MILHÃO DE PORTUGUESES” Esta era uma publicidade de há 70 anos e que não se pode chamar de velha, já que na actualidade, se não há um milhão de portugueses a comer à custa do vinho, há muito mais. O que deixou de ha-ver foram os “santuários” e transformaram os “copos de três”, o “neguinhos” ou o “penalty”, por sofis-ticadas taças de cristal e em locais encerados e não na terra batida de então, nem sequer nos ban-cos de madeira corridos e mesas a acompanhar o tamanho. Tão pouco se deixou de ouvir a melodia das torneiras a abrir e fechar das pipas, antes as goelas eram molhadas ao som dos mais enervan-tes ritmos. É natural que quem se tiver dado ao trabalho de estar a ler estas linhas, deve estar a pensar que elas foram escritas por algum “aposentado do copo”, mas a realidade é que se alguém pensar assim está a pensar mal, pois o autor deste copo de opinião cheio de saudade, ao longo dos anos se limi-tou a procurar estimar as coisas boas e os tascos são recordações que estimamos, mesmo sem as frequentarmos, mas sim pelo colorido social que os mesmos representaram na vida das cidades, neste caso, Matosinhos. Não estamos a puxar a brasa à sardinha por sermos um dos associados da AAATP – Associação dos Amigos das Adegas e Tascos do Porto, um grupo importante e já numeroso de diversos extrac-tos da sociedade, desde o funcionário público, ao jornalista, ao escritor e até ao professor universitá-rio, que tem vindo a pretender preservar uns “cantinhos deliciosos” que a ASAE pretende transformar em sofisticados snacks. Tem sido bonita a persistência da AAATP, que tanto gostaríamos de ver surgir igual intenção na nossa terra matosinhense, com também tantos “lugares de culto” – uns ainda vivos, outros já moribundos. E para quem duvidar, já sem falar na famosa – em Portugal – Pharmácia Campos, desde o tempo em que para comer

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uma isca de bacalhau e para quem quisesse lavar as mãos antes, tinha de pedir ao cliente que vinha atrás para dar à bomba para haver água. E, depois, é quase inenarrável o que de bom, de gostoso ali havia para comer, para além de um espírito solidário em todos aqueles que se sentavam nas mesas comuns e tinham como paisagem, verdadeiros “dinossauros” de madeira, con-tendo no seu bojo o melhor tinto ou branco das videiras lusitanas. O “santuário” da “Adega do Olho” que, por alturas das Festas da Cidade recebia mais “peregrinos” que a Casa dos Milagres do templo do bom Jesus. A Adega Leixões, detentora do anúncio em epí-grafe, a Sagres, em pleno coração piscatório que lavava a alma dos que partiam ou vinham do mar, as iscas do Chaves, o Horácio e a Moriona, o Abilio Azeiteiro, a Adega do Amor, o Maloio, o retiro dos Pacatos, a Loja do sr. Adão, anos e anos, até ser conhecida como a “Loja do Cidadão”. O Farri-pas e o Farrripinhas, a par da Vitorinha como grandes “chefes de cerimónia” ao trepar dos forasteiros em noite de fogo do Senhor de Matosinhos, o “Mata-Porcos” na Fonte do Dois Amigos, o Macário, um nunca mais acabar de pontos de sabor que marcaram e ainda marcam a nossa terra. Podem muitos dizer que este texto vem fora do contexto dos novos tempos. Nada disso, meus ami-gos. Hoje, face à invasão cervejeira, aos mariscos, aos alimentos sofisticados, nada há melhor do que uma bem portuguesa isca de bacalhau ou de fígado de vitela, umas sardinhas de escabeche, uns bolinhos com o “fiel amigo”, umas lascas de presunto, tudo empurrado um bom verde ou maduro, daquele que obriga a um estalinho na língua. Não deixemos morrer tão importantes locais de abrigo e ouvirmos com assiduidade o valor que é “meus amigos, são servidos?” O AUTOR NÃO ESCREVE SEGUNDO O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO.

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