mal, produzia dores. E eu tinha a sensação de que todo vinho que se tomava era adstringente, encolhe as mucosas da boca, e o negócio de adstringente comigo não vai. Todas as bebidas de álcool me produzem esse efeito. Quanto à champagne, abro uma exceção200. Abobrinha não é comigo e chuchu também não201. Alcance simbólico do paladar Acontece que o paladar em mim tem um alcance simbólico. Todo alimento é símbolo de uma determinada coisa, e comer essa coisa é degustar esse símbolo de um modo todo especial. De maneira tal que comer um prato com vários ingredientes é para mim como seria para outro ler um livro com várias análises, com várias riquezas. Por exemplo, o Kartoffeln-Glass, que tem da alma alemã e da cultura alemã toda a solidez, toda a nitidez e a substância nutritiva do espírito. Aquilo tem a força do alemão. O vol-au-vent francês é toda a subtileza, toda a delicadeza, toda a finura da coisa francesa, mas não mata a fome como o Kartoffeln-Glass. E as qualidades que se encontram no Kartofeln-Glass, o vol-au-vent não tem. A recíproca é verdadeira. De onde, pela minha teoria de que a Alemanha e a França são as duas faces do gênero humano, é bom de vez em quando comer uma coisa e de vez em quando outra, e saber gostar de uma e de outra, para ser um homem completo202.
* O comer alguma coisa que tem uma expressão simbólica dá uma ideia de que o significado desse símbolo é especialmente absorvido. Outro dia saboreei uma geleia de framboesa muito bem-feita, que tinha uma cor de vitral. Era uma coisa estupenda! Eu não quereria comer um vitral nunca, porque eu não pretendo ser suicida, mas ao comer aquela geleia, eu quase que comi mais a cor do que o sabor, embora estivesse muito boa. O comer aquela geleia deu-me uma ideia daquilo de Deus que a geleia representa, e do qual especialmente me aposso comendo-a.
200 Conversa EANS 6/7/94 201 Jantar Serra Negra 19/2/91 202 MNF 15/11/89 1ª PARTE – O MENINO PLINIO 95