Samba-Enredo: a poética do carnaval de Porto

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CAPÍTULO 3 SAMBA-ENREDO - A INVENÇÃO DE UMA FORMA CANCIONAL BRASILEIRA

A fundação do samba-enredo como gênero lítero-musical (ou cancional, preferindo o termo mais recorrente nos estudos atuais de canção popular) está diretamente ligada às circunstâncias políticas e sociais de seu tempo. Através deste caso, é possível analisar a estruturação literária de uma forma diretamente ligada ao contexto de uma época e a um segmento da população, e (re)construída, ou reformatada, ao longo de várias décadas segundo as conjunturas e ideologias dominantes (e as resistentes). Para estudar a estruturação de uma manifestação literária ligada ao meio social, que estabelece um gênero novo, o conceito de “formação” em Antonio Candido é essencial. Ao observar que a fusão dos fatores “externos” e “internos” à literatura não só é possível, como inventa algo diferente, Candido consolida um novo paradigma na crítica brasileira. Aproxima sociologia e teoria literária, mas sem se render a nenhum tipo de “intuito imperialista” (CANDIDO, 2011, p. 28). O olhar crítico acerca da obra de Candido é relevante à medida que atualiza o conceito à luz de novos objetos e realidades, ocorrendo através de autores como Roberto Schwarz (1999) e Luís Augusto Fischer (2009). A relação entre literatura e ideologia é base na compreensão da consolidação do samba-enredo enquanto fenômeno estético das classes populares urbanas. Para o aprofundamento da questão, assim como a visão sobre o que caracteriza a literatura, recorrerei às teorizações de Terry Eagleton (2006). O ensaísmo acerca da arte “brasileira” tem contribuição significativa em Rodrigo Naves

(2011). Mesmo abordando as artes plásticas, seus estudos são interessantes na crítica da literatura brasileira, sobretudo ao se estudar o conceito de “formação”, já que o autor averigua a existência de uma forma literária própria, interna à realidade local.

1 | O EXTERNO E O INTERNO FORMANDO UMA NOVA ESTRUTURA LITERÁRIA A estruturação de uma forma literária (e artística) entranhada no contexto social, que supere a dissociação entre obra e realidade, texto e contexto, tem em Antonio Candido uma das referências teóricas basilares. Candido recupera as diversas tentativas de “desalienar” o estudo do objeto literário, reconhecendo a interferência dos fatores externos. Todavia, distingue-se de outros sociólogos, de psicólogos e mesmo de historiadores da literatura, ao considerar que somente o olhar externo sobre a obra literária também não dá conta de sua complexidade. Para Candido (2011, p. 13-14), a fusão do texto e do contexto faria com que o social desempenhasse um papel na estruturação da forma literária, sendo um passo à frente das visões que dissociavam os dois elementos. Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra [...] o externo (no caso, o social) importa, não como

Capítulo 3

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