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Prólogo
Você acha que já conhece esta história.
Ah, já a ouviu antes, não é? Por isso, vamos repetir: você acha que já conhece esta história. Sob todos os aspectos, é uma boa história: uma jovem órfã e sem um tostão se torna preceptora em uma mansão, desperta os olhares do patrão rico e austero e (ai, ai...) se apaixona profundamente. Muita paixão, muitos suspiros, mas, antes de eles se casarem — oh! —, uma traição terrível é revelada. Seguem-se fogo e desespero, vaga-se um pouco sem rumo, fome, certo abuso psicológico, mas, no final, o romance se concretiza. A garota (a Srta. Eyre) fica com o rapaz (o Sr. Rochester). Eles vivem felizes para sempre. E é claro que isso significa que todo mundo fica feliz, certo?
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Hum... não. Não é bem assim. Temos uma história diferente para contar. (E sempre temos!) E o que estamos prestes a revelar é mais do que um reconto de um dos romances mais queridos da literatura. Esta versão, caro leitor, é verdadeira! Existiu mesmo uma garota. (Existiram duas, na verdade!) Ocorreu, de fato, uma terrível traição e um grande incêndio. Mas descarte praticamente tudo o que você sabe desta história. O que vamos contar não será nem um pouco parecido com algum romance clássico que você já tenha lido.
Tudo começou, se quisermos ir muito, muito lá atrás, em 1788, com o Rei George III. O rei via fantasmas. Não era nada demais, na verdade. Ele não se assustava com eles. Às vezes, travava conversas divertidas com cortesãos mortos há muitos anos e com rainhas injustamente decapitadas que, naquele momento, flutuavam sobre as terras do palácio.
Mas, um dia, algo decisivo aconteceu. O rei estava caminhando no jardim quando um fantasma malicioso sacudiu os galhos de uma árvore pela qual ele passava. — Quem está aí? — perguntou o rei sem saber para onde olhar, porque, quando isso aconteceu, ele estava sem óculos. — Olhe para mim — respondeu o fantasma perturbador com uma voz majestosa. — Eu sou o rei da Prússia!
O Rei George III imediatamente fez uma reverência. Por coincidência, estava esperando uma visita do rei da Prússia. — Tenho o maior prazer em conhecer Vossa Majestade! — exclamou Rei George.
Então, tentou apertar a mão da árvore.
E isso não teria sido nada de mais, exceto pelo fato de que, naquele momento, cerca de doze lordes e ladies acompanhavam o monarca na caminhada dele pelo jardim e não viram fantasma algum, claro, só viram o rei confundindo uma árvore com outra figura da realeza. A partir daquele momento, o pobre Rei George III passou a ser chamado de “George, o rei louco”, um título de que ele muito se ressentia.
Por conta desse episódio, George reuniu uma equipe formada por todo tipo de gente que ele achava que o ajudaria a se livrar dos fantasmas que o incomodavam: padres especializados em exorcismo, médicos com algum conhecimento em ocultismo, filósofos, cientistas, adivinhos e qualquer pessoa que desse uns pulinhos no mundo sobrenatural.
E assim foi formada a Sociedade Real para a Realocação de Espíritos Instáveis.
Nos anos seguintes, a Sociedade, como veio a ser apelidada, funcionou como uma parte proeminente e respeitada da vida inglesa. Se ocorresse algo estranho em sua vizinhança, você ligaria para a... bem, você escreveria uma carta para a Sociedade e prontamente enviariam um agente para cuidar do caso.
Agora, vamos acelerar para logo depois do reinado de George IV até chegarmos a William IV ascendendo ao trono da Inglaterra. William era bem prático. Não acreditava em fantasmas. Considerava a Sociedade uma coleção de odiosos charlatães que vinham, por muitos anos, ludibriando seus pobres predecessores perturbados. Além disso, ela funcionava como um ralo do dinheiro dos contribuintes. (Dinheiro contado em libras!) Assim, tão logo foi oficialmente coroado rei, William cortou o financiamento da Sociedade. Isso causou o infame embate e a posterior inimizade com Sir Arthur Wellesley, também conhecido como Duque
de Wellington, que era líder e presidente da SREI, a qual não tinha mais dinheiro nem respeito.
E isso nos leva ao verdadeiro início de nossa história: norte da Inglaterra, 1834, e aquela mocinha órfã já mencionada, que não tinha um tostão. E uma escritora. E um rapaz querendo vingança.
Vamos começar com a mocinha.
O nome dela era Jane.